Eu estava sentado na entrada do colégio quando dois meninos vinham andando na direção do portão ostentando suas camisas brancas com mangas azul-marinho: um troféu. Quer dizer, um troféu para mim, uma criança do ensino fundamental, vestida com o frio uniforme azul marinho com mangas brancas.
Ok, mesmo que você não seja daltônico, como eu sou, essa introdução pode não fazer o menor sentido. Então, deixe-me explicar.
Na época, eu estudava em um colégio particular de Brasília e os 8 anos de jornada do ensino fundamental eram cobertos com um único uniforme azul marinho. Dezenas de turmas, desde as crianças até eu, um rechonchudo jovem de 13 anos, todos com aquela blusa escura. A coisa só mudava ao passar para o ensino médio, que recebia uma camisa toda branca e, claro, por serem menos turmas, desfilavam como pontos brancos pelo pátio.
Moleque, nos meus últimos anos de ensino fundamental eu sonhava com o dia que ia vestir aquela camiseta branca e sair caminhando pelo portão afora. Demorou - a caminhada de uma criança dentro da escola é longa - mas chegou. E foi celebrado. Vesti em casa e não via a hora de chegar no colégio e ver meus amigos com o novo look.
Por dois dias.
Depois disso, a camiseta passou a ser invisível. E logo mais, desprezível. Quando me dei conta de que na universidade poderia ter não só a roupa, mas a rotina que quisesse, e viver como um adulto (sic), não conseguia pensar em outra coisa.
E assim segui.
Passei os três anos do meu ensino médio pensando diariamente em como seria quando estivesse na universidade. E mesmo quando esquecia, algum professor me lembrava: "Esse conteúdo é importante porque cai no vestibular.". E não apenas isso. Clichê, eu tocava guitarra em uma banda e já ensaiava pensando na minha estreia no happy hour da UnB - sem saber que em muitos não havia nem mesmo uma caixa de som.
Agostinho escreve em "As Confissões" que a eternidade é um hoje perpétuo. Até lá, vivemos sempre associados a um amanhã. Inclusive, aprendi isso no meu segundo semestre da faculdade de filosofia na Universidade de Brasília, quando já estava com a cabeça totalmente voltada para o meu próximo objetivo: a transferência para a faculdade de comunicação.
Me revirava na cadeira ao ouvir minha professora falar de Baruch Espinoza. Por sorte já tinha o escape de pensar na minha namorada, que encontrava todos os dias depois das aulas.
Eu tinha 16 anos quando entrei na universidade. E só essa semana, aos 28, eu tomei consciência de que estava há mais de uma década "perseguindo cenouras".
Passando a década a limpo: eu fiz a faculdade pensando no estágio, e o estágio pensando na efetivação. Efetivado, pensava na promoção e promovido, passava os dias reclamando que queria ir a outra empresa. E assim me vi trabalhando para uma startup no Vale do Silício enquanto fazia um MBA e outra graduação. Ao mesmo tempo. Na verdade, ao mesmo tempo que planejava o que ia fazer na sequência.
Nesse ritmo, demorei a perceber que eu já estava há alguns meses trabalhando em um ambiente legal e escrevendo muitos roteiros - o que chegou a ser a minha cenoura em algum desses momentos. Vasculhando meus livros, encontrei Story, de Robert McKee, uma espécie de bíblia do roteirista, presente da minha namorada na época. Lá em 2015. Na dedicatória, o desejo de que eu vivesse daquilo que amava.
Mas o que eu amava era só o que eu não tinha. Nesse mesmo ano, escrevi:
De piloto de avião / A escafandrista / E palhaço / Amo todos os ofícios / Desde que não seja / O que eu faço
Meia década depois, só me dei conta da repetição em que me afundava porque já estava começando a me sufocar de novo por viver o hoje e o amanhã ao mesmo tempo.
Por que será?
Viver só com o que a gente tem é dolorido. E tudo bem. Essa é a lógica de boa parte das seitas, grupos e religiões. Oferecer um amanhã para que a dor do nosso hoje não seja tão grande.
O problema é que, pelo menos em mim, a ambição é a mãe de todas as ansiedades. Quando começo a fazer planos demais é porque não estou suportando o que está na minha frente. Como nas aulas de História da Filosofia Moderna.
Com você é assim?
Esse texto vai ser como essa vida. Não vai chegar a lugar nenhum.
Aliás, o meu pai dizia que para tudo na vida há jeito, exceto para a morte.
Acredito que é isso mesmo.
Inclusive porque depois de morrer, não tem jeito: é um eterno hoje.
Vivamos.
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